Niemeyer morreu. Madonna no Brasil, de novo. Periguetes em alta. Dedos em riste… Não, pera… Que diabos tudo isso tem em comum? Vou explicar por partes, como faria Jack.
Tripa 1 – Niemeyer morreu. O cara tinha 104 anos, se dizia comunista, ateu, falava umas coisas bacanas sobre liberdade, oportunidades e sonhar, e trabalhou até praticamente o último instante de vida. Amava o que fazia. Críticas? Muitas. Tinha paixão pelo concreto e desconhecia o que era ecossiocialismo (para saber mais). Para dar visibilidade às suas obras era capaz de mandar destruir lugares onde a natureza foi muito generosa, como o local do Museu de Arte Contemporânea em Niterói que, como disse o Chico Capeta, é “o melhor mirante do Rio do Janeiro”. Era assumidamente stalinista (sinto arrepios só de pensar que alguém pode escolher ser stalinista, escolher simpatizar com essa corrente), mas era inegavelmente um GÊNIO da arquitetura, de traço incomparável, respeitado e ovacionado no mundo inteiro (e só a besta do Reinaldo Azevedo para não reconhecer isso). A morte de alguém muito grande como Niemeyer provoca reações díspares, como díspares são as pessoas. Há aquela velha corrente da santificação, insuflada pela grande imprensa que tenta lucrar com audiência através dos feitos do morto e tentando apresentar a melhor cobertura do funeral ou o melhor portifólio da obra. Mais recentemente surgiu a corrente da demonização, que tentando ir na direção contrária da santificação acaba sendo muito deselegante e rude com quem acabou de partir. Porra, será que não dá para ter um pouco de respeito nem na hora da morte da criatura? Dá, sim. E acho que respeitar é ser justo, é dizer a verdade e deselegante mesmo é puxar o saco, principalmente depois que o saco do cidadão já até gelou. Então, ao pensar na sede do Partido Comunista Francês, em Brasília, na igreja da Pampulha (ó, que interessante… um ateu projetando igreja, e lindamente… sim, nós humanos somos feitos de contradições), no Memorial da América Latina, lembre-se também do que representa construir blocos de concretos no meio de grandes cidades superaquecidas, sem arborização e, principalmente, lembre-se dos CIEPs no Rio de Janeiro. Tá, poderíamos falar só do que é boniteza e tals… Mas, ainda tem mais um detalhe, o comunista Niemeyer apoiou Eduardo Paes nessa última eleição — atual prefeito da cidade do Rio de Janeiro — que promove na contramão da história do humanismo e cuspindo nos Direitos Humanos obras que desalojam pessoas, implodem a memória da cidade em nome de grandes investimentos, eventos, enfim… Em nome do progresso! Só as atrocidades cometidas em nome de Deus foram piores e/ou maiores do que as cometidas em nome do progresso. Ou seja… Se Niemeyer era comunista, Kátia (a cega) é jazz*!

tatuagem fake que Madonna fez para o momento do strip-tease de seu no Rio na última segunda-feira (3) onde em outros lugares também exibiu “Peace”, “Obama” e “Pussy Riot”
Tripa 2 – Madonna no Brasil. Super estrela pop vindo fazer show no nosso quintalzão, de novo. UAU! Não, pera… Em tempos de Lady Gaga, Madonna virou a tia velha e ganhou a pecha de ridícula. Já não se lembram mais de sua bela voz e que ela canta de verdade, compõe, dança (e interprata mal, isso é fato) e que está no topo do mundo pop desde os anos 80 e que envelheceu, sim, mas e daí? Desde quando envelhecer é ruim? (tem um exto bacana aqui sobre envelhecer) Madonna sobreviveu sem forçar a barra, sem parecer mudar de estilo ou ficar decadente. Então, porque afinal ela é acusada de ser decadente? Simples. É mulher, passou dos 50 anos dando coice na cola como dizem lá no pampa e está pouco se importando com as opiniões a seu respeito. Madonna incomoda demais. Ela é independente, dona do seu nariz, vida, corpo e carreira. Quando (dizem) apanhava de Sean Penn pagava pau pro marido e fez para ele um disco falando em quase todas as músicas de amor verdadeiro. As feministas odiaram. Ela seguiu. Nessa passada pelo Brasil, Madonna resolveu se assumir perigueti. Como assim, brazew? Mas perigueti não é só um estereótipo do qual “todas” fogem porque não são “respeitadas”? Não, pera… Alguém sabe me dizer qual mulher é respeitada sem se impor e sem se esgualepar inteira? NENHUMA! E Madonna sabe disso. Sua homenagem às periguetes é uma campanha de visibilidade tipo, “olhem pra mim, bem sucedida, dona de mim e PE-RI-GUE-TE!”
Tripas 1 e 2, sambadas – Se Madonna sambou na cara do moralismo do mundo inteiro a partir do nosso moralismo tupiniquinim, Niemeyer sambou na cara da morte e deu-lhe tanto trabalho, mas tanto trabalho, que só por isso eu já sei que ele não era comunista de verdade (risos). Mas… Rótulos servem para quê, mesmo? No que chamar Madonna de velha, decadente e acabada tira seu brilho? No que chamar Niemeyer de comunista-stalinista-gênio-calhorda tira seu mérito? Eu pergunto, eu mesma respondo: Tira muito do nosso brilho como pessoas e desgasta muito da nossa capacidade como humanidade. Dedos em riste só servem se for para se fazer respeitar e em nome da verdade. Se forem para julgar moralmente dizem mais a respeito de nós, do vergonhoso nós, do que de quem estamos julgando.
Achou contraditório? É, ué. A contradição é condição humana e essencialmente biscate. E se for para se valer dela para lembrar de quem samba na cara do moralismo, tô nem aí, uso mesmo! .
p.s.: Não sou fã nem do trabalho da Madonna e nem do Niemeyer, mas isso não tem nada (ou tudo) a ver com respeito ou com os meus moralismos e contradições.
* “Kátia é jazz” é uma expressão que surgiu nos comentários de um post da Suzana Dornelles aqui, e foi criada pela Deb. ou deborahpetri (alter ego de uma querida que prefere o anonimato e essa vida dupla), para me contrariar quando afirmei que Magal não é brega. Disse Deb.: “Se Magal não é brega, Kátia é jazz!” — Levamos pra vida.
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